Gestalt-terapia: uma terapia criativa e experiencial
Di Sandra Salomao
Resumo: A Gestalt-terapia é uma abordagem existencial-fenomenológica cuja sessão de psicoterapia é uma oportunidade de experimentação aqui e agora dos conflitos, questões e disfunções apresentadas pelas pessoas. Emprega uma relação terapêutica em que o relacionamento é legítimo per si, o sentir um guia e a criatividade uma atividade desejada. Apresentamos a metodologia, o campo de atuação e a formação.
Palavras chave: awareness, aqui e agora, fenomenologia, experiência, contato, holismo.
Breve histórico e surgimento da abordagem
A Gestalt-terapia é um modelo psicológico oficialmente apresentado no ano de 1951, nos EUA, através do livro inaugural “Gestalt-terapia – excitamento e crescimento”, escrito por Frederick Perls, médico e ex-psicanalista com a colaboração de Paul Goodman, filósofo e R. Hefferline, educador. A construção desta escola inclui sua esposa Laura Perls, médica, ex-psicanalista, a quem conheceu quando trabalhava com Kurt Goldstein, autor da teoria organísmica, uma aplicação dos princípios de Psicologia da Gestalt 1 no funcionamento de uma pessoa em sua relação com o mundo.
Fritz Perls 2 estava insatisfeito com as limitações impostas pelas intervenções meramente verbais do método psicanalítico, discordava das concepções teóricas de libido e de instinto de morte e do modelo psíquico pouco processual. Ao elaborar contribuições à psicanálise, surgiu uma proposta de revisão e reformulação das concepções clássicas sobre a psicologia normal e a psicopatologia. No livro “Ego, Fome e Agressão” em 1947, dá-se a passagem da psicanálise ortodoxa para a abordagem da Gestalt-terapia. O autor almejava: “uma teoria integrada que cubra todo fenômeno físico e psíquico…por mais distantes que estejamos dessa meta … pode ser alcançada por síntese e cooperação de todas as escolas existentes hoje” (Perls, 2002, p. 38). Em sua nova abordagem adota uma visão de mundo holística, do grego holos, o todo. Relaciona o funcionamento humano ao pensamento diferencial de opostos, introduz a noção de ajustamento criativo e cria um método terapêutico fenomenológico e experiencial que amplia o repertório de intervenções técnicas possíveis de serem utilizadas na terapia. A sessão e a relação terapêutica transformam-se num evento real vivido num encontro no aqui e agora. O objetivo é que as pessoas possam fazer uma tomada de consciência emocional através da totalidade de sua experiência pela experimentação das dificuldades e questões apresentadas no momento da sessão. A partir disso no enquadre terapêutico surge a possibilidade de criação de novas respostas, escolhas e consciência emocional de si no mundo. Esta proposta terapêutica introduziu:
“os conceitos de realidade aqui e agora, de organismo como um todo e da dominância da necessidade mais urgente, …o significado da agressão como força biológica, a unidade organismo meio”, a relação entre agressão e assimilação… a atitude fóbica da neurose, a unidade organismo-meio…a teoria da awareness, o significado da expressão não verbal autêntica…No contexto terapêutico a ênfase começa a se deslocar…para o encontro de um terapeuta humano com, não um caso, mas com outro ser humano”(Perls,2002,p.35).
O que é a Gestalt-terapia:
A Gestalt-terapia é uma abordagem de psicoterapia moderno-contemporânea, inserida na terceira força em psicologia, que comporta as teorias humanistas, cuja visão positiva do homem, da saúde e do mundo promove uma atuação orientada para o potencial de desenvolvimento e criatividade. Está pareada com as práticas clínicas que possuem uma teoria sistêmica e inter-relacional. As pessoas são percebidas como partes de um todo. O modo como se dá a conexão entre as partes desse todo produzem configurações singulares e a compreensão das situações humanas particulares está relacionada aos seus contextos. Alguns de seus fundamentos e conceitos centrais são: a fenomenologia, a teoria de campo, a auto-regulação organísmica, uma teoria da comunicação através da teoria do contato, a noção de Gestalt – unidade homem-mundo, o processo de awareness – um dar-se conta de si no mundo, um processo de estar aware que engloba pensar, saber, sentir e fazer. Essa palavra não é traduzida porque em inglês ela produz o sentido de processo e conexão que ela implica. Como afirmavam Perls, Goodman e Hefferline:
“o contato é possível sem awareness mas para a awareness o contato é indispensável…o sentir determina a natureza da awareness…excitamento…A formação de gestalten sempre acompanha a awareness...A formação de gestalten completas e abrangentes é condição de saúde mental e do crescimento (1997, p. 33).
Desenvolve uma perspectiva existencialista – o homem é considerado um ser consciente e responsável por suas escolhas, dentro de um contexto de graus de liberdade, no qual a dimensão do tempo presente aqui e agora fornece possibilidades para fazê-lo: a capacidade de ajustamento criativo do homem aos seus contextos – a busca da boa forma. O gestalt-terapeuta formula intervenções terapêuticas construídas sobre o contexto específico daquela pessoa, casal, família, grupo ou qualquer outra situação de atendimento psicológico, baseado em sua percepção treinada, em suas possibilidades emocionais, em sua experiência fenomenológica do campo presente. Fundamenta-se mais na relação entre as pessoas envolvidas do que na teoria. Uma atuação fenomenológica é norteada pela experiência aqui e agora. A Gestalt-terapia compreende a terapia como um ato artístico, tecnológico e científico.
Metodologia:
O sentir é um instrumento funcional para compreender o mundo e a si mesmo. O processo terapêutico enfoca o contato com os sentimentos e sensações no aqui e agora da sessão, ou seja, trabalha com o fenômeno, atua com a experiência do cliente, do terapeuta e da relação do que ocorre entre eles. O gestalt-terapeuta estabelece uma relação dual, autêntica, que permite aos clientes perceberem o processo de seu contato interno e externo: o “como “ estão, como atuam, o que fazem, pra que se comportam de dada forma. A síntese do método é prestar atenção, evitar as interrupções que bloqueiam o fluxo de figura e fundo e experimentar. O trabalho focaliza a comunicação verbal e não verbal: a atitude, as cristalizações, os movimentos corporais, o tom de voz, a postura física e emocional que impedem a satisfação das necessidades. O termo experimento (2007) indica o momento da sessão em que o cliente vai experimentar com awareness a sua experiência emocional, corporal, mental, social, suas fantasias e sonhos: a expressão direta de um sentimento, fazer uma dramatização de uma fantasia, fechar uma situação inacabada do passado, reviver um sonho identificando-se com partes dele ou numa terapia de casal, falar diretamente para seu parceiro um pedido ou realizar uma ‘dança’ com ele, ou com os outros membros da família, grupo ou comunidade. Os clientes irão experimentar a si e a relação terapêutica tão completamente o quanto possam. O aqui e agora da sessão estabelece um campo amplo que inclui todas as experiências passadas, os hábitos, as situações inacabadas e projetos de futuro presentes no contexto da vida e da sessão. É na imediaticidade da relação terapêutica que se constrói o crescimento psico-físico-social.
O experimento primordial é a relação de contato entre clientes e terapeutas. É através dessa relação que o terapeuta ou o cliente criarão uma “técnica” para lidar com os impasses terapêuticos do cliente. Embora a Gestalt-terapia seja conhecida por suas técnicas, elas em si não existem. É a atitude relacional e a concepção do espaço terapêutico como um lugar que fornece um enquadre de segurança para se experimentar situações que não poderiam ser vividas sem um risco, exceto em terapia, que criou a idéia de que haveriam técnicas gestalten. O método é o experimento que propicia o contato, a troca, a interação. Há tantas técnicas possíveis de serem criadas quanto forem as pessoas e os terapeutas. Por exemplo, uma pessoa que nunca expressa o seu descontentamento para um chefe pode explorar seus bloqueios e imaginar formas de expressar os seus sentimentos para ele e ao fazer na terapia através de um diálogo com a cadeira vazia pode ser dar conta da identificação que fazia com a autoridade de sua mãe e escolher no aqui e agora da sessão uma nova atitude desbloqueando o contato com ressentimentos inacabados com a figura materna e discriminando a relação atual com o chefe da sua pauta de relacionamento imaturo com a mãe. Ou pode atualizar seu senso de inabilidade para argumentar experimentado no passado. A intervenção poderia ter sido propor um trabalho com argila ou com desenho, com papéis coloridos, outros recursos plásticos, música ou teatro.
Esse é um aspecto interessante da prática da Gestalt-terapia – o uso da fantasia, como possibilidade de restaurar o campo de possibilidades e direções, a partir de um ponto “zero” de indiferença criativa (Perls, 2002). Também as fantasias ou imagens que surgem durante o encontro terapêutico são compartilhadas por parte do terapeuta e em muitas situações o trabalho se desenvolve a partir desse fenômeno presente no campo.
Segundo Salomão ( 2007), a técnica da cadeira vazia, criada por Fritz Perls para colocar os conflitos internos e externos num diálogo integrativo ou desafiador, provoca uma qualidade de contato emocional que permite que o conflito seja equacionado ou expresso.
A intuição compreendida como uma percepção aguçada é utilizada para proporcionar aos clientes um dar-se conta mais amplo de si e de sua situação.
O trabalho com sonhos também é um trabalho experiencial. Pretende-se viver o sonho, que é uma metáfora da vida emocional acordada. Como afirmava Perls (1988 ), o sonho é uma mensagem existencial sobre os “buracos” da vida emocional.
Para citar algumas outras influências para a prática da Gestalt-terapia podemos relacionar o conceito de polaridades de Jung, o psicodrama de Moreno, a percepção das couraças e caráter de W. Reich, que introduzem intervenções mais diretamente sobre o corpo, a teoria paradoxal da mudança, que acentua aquilo que se é, ou se vive, a influência do Zen budismo, o trabalho com o vazio fértil e o caos produtivo.
Os gestalt-terapeutas desenvolvem um estilo de trabalho que revela suas preferências em termos das ênfases possíveis da Gestalt-terapia.
Campo de atuação:
A gestalt-terapia destina-se a crianças, adolescentes, adultos, idosos e realizados em atendimento individual, em casal, família, grupos e comunidades. Há as oficinas ou workshops terapêuticos realizados em grupos para aprofundamento ou crescimento emocional sobre temas específicos ou que surgem no encontro.
Há uma abrangência grande de transtornos psicológicos tais como depressão e pânico e dificuldades existenciais, tais como divórcios, perdas, mudanças dentre que podem ser atendidos por gestalt-terapeutas. Algumas restrições e adaptações são realizadas para pacientes psicóticos.
A psicoterapia é utilizada por pessoas que têm a expectativa de um autoconhecimento maior e não somente por quem está com problemas.
É empregada nas organizações, em RH, em instituições, nas escolas e no esporte.
A Formação do gestalt-terapeuta
Há um tripé formativo: o trabalho com a parte emocional, a prática supervisionada e o aprendizado teórico, com ênfase na teoria da prática. Como a abordagem trabalha a partir do sentir, do perceber, da criatividade e da relação autêntica e real com o terapeuta, há um treinamento com exercícios vivenciais pedagógicos e workshops instrumentais. As formações mais coerentes são as que se utilizam do grupo experiencial ou terapêutico, integrando teoria, instrumentalização no método e trabalho emocional. Em geral, no Brasil, os cursos tem a duração de três anos. A carga horária bem como a maior ou menor ênfase na capacitação emocional, instrumental ou teórica varia entre as instituições formadoras e em cada região.
Referências Bibliográficas:
PERLS, F.; Ego, Fome e Agressão (1947); São Paulo:Summus;2002.
_________ . A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia;São Paulo
LTC,1988.
PERLS, F.S;HEFFERLINE,R.;GOODMAN,P. (1951) Gestalt-terapia; São Paulo,Summus,1997.
SALOMÃO, S. verbete Experimento in D´ACRI, G.,LIMA,P.,ORGLER,S. Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”;SP:Summus 2007.
Leitura Complementar:
YONTEF,G.M. Processo, diálogo e awareness. São Paulo: Summus,1998.
QUATTRINI,Paolo Fenomenologia Dell´Esperienza; Milano: Zephyro Edizioni,2007.
ZINKER,J. A Busca da Elegância em Psicoterapia; São Paulo, Summus, 200
POLSTER, E.; POLSTER, M., Gestalt-terapia Integrada, São Paulo:Summus,2001
Nome: Sandra Salomão Carvalho – CRP: 05/6012
Psicóloga UFRJ, Mestre em Psicologia Social UGV, Professora e supervisora de estágio da PUC – Rio, Professora do Istituto de Gestalt di Firenze, Itália. Gestalt-Terapeuta pelo The Gestalt Training of San Diego, EUA, Especialista em Terapia Familiar Sistêmica pelo Núcleo Pesquisa – RJ, Terapeuta de Família e Casal, Especialização em Terapia de Casal e Sistemas Íntimos com Joseph Zinker, Diretora Técnica do Centro Gestalt-terapia Sandra Salomão. Coordenadora de Formação em Gestalt-terapia, Coordenadora do Curso de Especialização em Família Intervenção Relacional Gestáltico – sistêmico, , E-mail: ssalomao@ism.com.br
1 Gestalt é uma palavra Alemã que significa Sf., – en 1 figura, forma, feição aparência, porte. 2 estrutura, conformação. 3 vulto. Também significa: fenômeno, sintoma, aparência, contorno. Em psicologia tem o sentido de forma, totalidade, configuração, unidade. A palavra não possui tradução correlata em nenhum idioma e por isso não é traduzida.
2 Como se tornou conhecido o fundador da abordagem.
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